Construção passo a passo
O que é exatamente essa tal
plataforma do escritor, afinal?
No primeiro número de ESCREVER nós usamos uma definição simplificada para dizer:
“Plataforma é o conjunto de recursos de que o escritor dispõe para se fazer conhecido pelo público leitor, ajudando-o a vender livros”. No presente artigo, vamos estender mais o conceito de plataforma, procurando chegar a uma definição mais rigorosa ao final – lembrando que definir é estabelecer as dimensões críticas de um conceito, algo muito mais rigoroso, portanto.
A última oração é verdadeira e até exata: ajudando-o a vender livros. É condição necessária, porém não suficiente. Por quê? Porque a finalidade única não é somente vender livros. Na verdade o que a plataforma faz é vender o escritor. Que pode viver não apenas de vender livros, mas de várias outras atividades resultantes de sua condição de escritor: dar palestras e cursos pagos, escrever para jornais e revistas, atuar como ghost writer, ser coordenador editorial, ser influenciador, ter obras adaptadas para teatro, cinema e televisão.
Quando, em 2009, fiz nos EUA o primeiro dos muitos cursos de marketing livreiro que viria a fazer por lá, a instrutora, uma escritora muito bem sucedida e famosa, não deixou por menos: o nome do curso era “Sell yourself first” (Venda você mesmo primeiro). Naturalmente, o tema viria a ser a plataforma do escritor.
À época eu já tinha publicado no Brasil 14 livros técnicos e meus primeiros dois romances (em 2008). Meus colegas norteamericanos de curso sabiam disso, vimos as fichas de inscrição uns dos outros como primeiro quebra-gelo.
Porém, quando um deles me perguntou, antes do começo da primeira aula, qual era a minha plataforma (“Tell us about your platform”) eu engasguei!
Caramba, eu já tinha muitos livros publicados e não tinha a menor ideia do que ele estava falando. Na hora veio-me à mente uma plataforma de lançamento de foguetes e associei a pergunta dele a isso. Mas me saí muito bem, dizendo rapidamente: “Bem, certamente não muito boa quando comparada com a sua aqui nos Estados Unidos. Aposto que a sua é muito melhor”.
Funcionou. Tocado naturalmente em sua vaidade, ele respondeu relatando com abundância de detalhes como era a tal de plataforma dele e o que ele tinha feito para colocá-la em operação. Só então eu comecei a compreender o que era isso; e aí, para sorte minha, a aula começou bem quando eu ia abrir aboca para dizer, sinceramente, que eu não só não tinha plataforma alguma, como nem sabia o que era isso minutos atrás. A instrutora era brilhante e eu comecei a aprender sobre plataforma do escritor naquele sábado, hoje longínquo, de 2009. Continuo tratando de aprender até hoje.
Por que conto isso? Porque, como eu então, muitos colegas escritores publicados ou aspirantes à publicação podem ainda estar desinformados, insuficientemente informados ou muito mal informados a respeito desse importantíssimo atributo da vida do escritor profissional. Razão pela qual ESCREVER voltará muitas vezes ao tema ao longo de suas próximas edições, uma vez que é preciso muito mais do que um sábado ou um par de artigos para explorar com suficiente profundidade o assunto.
Quem, quando, como, quanto?
É muito importante compreender que a plataforma é um conjunto de tópicos de comunicação, cuja finalidade, em última análise, é apresentar você e sua obra a um determinado público-alvo. Vamos começar com o QUEM. Que se biparte assim:
1) Quem é você?
2) Quem você quer atingir?
Apesar de apresentar estas duas questões de forma separada, vale entender que elas são basicamente indissociáveis para um escritor profissional de sucesso. Isso porque é impossível escrever para todo mundo, para todos os leitores, para um pretenso leque infinitamente aberto de interessados.
Isso é facilmente percebido pelo escritor de não-ficção, que sempre se dirige a um setor bem específico de público, um nicho, aqueles que podem ter interesse pelo tópico de sua especialização. Assim, meus 14 livros de não ficção são da área da economia agrícola, da agricultura orgânica e da divulgação científica em nutrição; e da área do feminismo. Todos os outros são de ficção.
Na ficção a mesma coisa acontece, embora nem sempre o autor consiga percebê-lo com a mesma facilidade que o escritor de não ficção. Meus dois primeiros romances, frutos dos quatro anos em que vivi no Nordeste como consultor agrícola e como Secretário de Agricultura, têm como tema a prostituição infantil. E esse é um tema tabu. Descobri, muito depois de publicá-los, que as pessoas não gostam de ler sobre temas sociais dolorosos como esse.
Tais livros já nascem com um público leitor muito limitado. Mesmo assim eu tive duas editoras que se interessaram pelas obras. Mas quaisquer das duas impunham como condição para publicá-las que eu, aproveitando o tema, “apelasse” para uma linguagem mais simples e abertamente pornográfica, com grande número de cenas de sexo e algumas de violência, muito mais do que explícitas. O sucesso, então, seria certo, garantiram: “O povo gosta de ler isso!”
Mas não era o que eu queria. Meus livros quiseram mostrar a dor e a injustiça cruentas, o machismo nojento e primitivo, mais a fome e a doença, destruindo vidas de crianças. Eram escritos do ponto de vista delas, elas são as protagonistas e as heroínas. As poucas e inevitáveis cenas de sexo são todas estupros, quer perpetrados à força, quer com o consentimento sofrido de quem tem que vender seu corpinho para sobreviver ou escapar da violência contumaz. Ah, isso não vende, aprendi, quando abri meus olhos, já vivendo no exterior.
Mesmo assim insisti e autopubliquei os dois livros. E tive a minha grande, a minha incomensurável re-compensa: aprendi a ser editor e vendedor de livros! E, se hoje existe no Brasil a iniciativa de publicar uma revista como a ESCREVER, sua raiz está toda naqueles dois livros de 2008.
Perceba, caro leitor escritor ou aprendiz, a enorme diferença de público-alvo nos dois casos. Para um eu tenho um universo rarefeito e limitado, que exige sensibilidade, empatia, cultura e consciência social muito maiores. Para o outro eu posso contar com um contingente de leitores dezenas de vezes maior, para o qual, como exigiam as duas casas editoras paulistas de então, eu tinha que “baixar a bola” no português e subir o tom na pornografia e na violência. “Cenas de sexo forçado ou mesmo violento contra meninas acende um fogaréu dentro da fantasia de milhões de homens de todas as idades, aproveite isso, vamos ganhar dinheiro pra valer”, disse-me um consultor editorial de uma dessas casas publicadoras na época. Pior que é verdade.
E aí você faz a sua escolha: você vira escritor muito em função do público que você quer ter como leitor. Em outras palavras: Quem você vai ser como escritor tem tudo a ver com Quem você quer ter como leitor. A recíproca é verdadeira: Quem você consegue atrair e cativar como leitor vai manter na prática Quem você vai poder ser como escritor profissional. Os dois quens estão, portanto, indelevelmente interligados.
Há escritores que preferem ignorar essa interdependência. Escrevem o que querem, do jeito que querem – e se vão ter leitores ou não, isso é problema do leitor. Alguns produzem obras de alta qualidade, outros nem tanto. Aqueles podem conseguir editores, estes últimos, não. Mas a grande maioria destes autores, bons ou medíocres, acaba tendo muito menores chances de publicação e, no caso de lograrem publicação, menores oportunidades de êxito comercial. E, não podemos esquecer, é o êxito comercial que permite a consolidação da carreira de um escritor profissional.
Não se pode negar que o mundo real editorial tem escassez de alta qualidade e excesso de mediocri-dade. O que, convenhamos, não o faz nem pior nem melhor do que os outros campos de criação e produção intelectual/artística. Você pode colocar algumas dezenas de ouvintes numa sala para um concerto de cravo ou lotar um estádio com um breganejo apimentado por glúteos oscilantes. Há mercado para todos.
Contudo, usando o exemplo citado acima, recomenda-se aos escritores que ainda não estão consagrados e ainda não conseguiram amarrar seu burro na sombra, que sejam mais flexíveis e aprendam a conhecer bem o público que sua capacidade e gosto lhe permitem enfocar como alvo, respondendo esta pergunta: Quem vai querer ler esta coisa que eu tenho ideia de escrever agora? E, a partir daí, refine a sua escrita em função do público-alvo que ela pode atingir. Ou seja, escreva para alguém, não para todo mundo! Sua escolha de tema e estilo vai definir o NICHO para o qual você vai escrever, o nicho de mercado que você vai atingir.
1 - Quem você quer ser como escritor? Ou: que tipo de escritor você quer ser?
É fundamental que você consiga fazer essa escolha. Porque ela vai levá-lo a estabelecer as dimensões críticas de sua escrita: sobre o que você pode escrever e sobre o que não pode escrever. E como vai escrever o que decide escrever. É tudo escolha sua. E aí você chega ao ponto crucial da qualidade de sua escrita, o que exige uma boa formação prévia e um elevado grau de autoconhecimento e de autocrítica. Levando sempre em conta que, por mais perfeita que seja hoje a sua escrita, ela poderá ser ainda melhor manhã.
Toda essa introdução serviu para dizer que o melhor ponto de partida para uma boa plataforma de escritor é uma boa qualidade de escrita, pela óbvia razão de que é muito mais producente apresentar ao consumidor um produto de nível melhor. E acaba sendo mais econômico e mais duradouro, também. Um bom controle de qualidade é a melhor garantia contra um recall inconveniente em qualquer indústria.
Na nossa não é diferente. Se a sua autocrítica e/ou a crítica dos leitores-beta, consultores e editores apontarem para falhas consistentes na sua formação e na sua escrita, isso não é nenhum drama; porque você sempre pode buscar melhor formação e mais aperfeiçoamento; basta trabalhar para isso, sem preguiça ou vaidades.
Chegamos, portanto, à definição do primeiro quem, enfim: Quem é você. Entenda que você precisa dessa definição para poder elaborar a sua plataforma, é o ponto de partida dela: Quem é essa cara que você vai vender para o mundo (Sell yourself first!) como escritor (y otras cositas mas)?
Um ensaísta? Um cronista? Um crítico? Um poeta? Um contista? Um romancista? Um dramaturgo? Um roteirista? Ou, quem sabe, tudo isso e mais um pouco – afinal, de poeta e de louco cada um tem algo desse pouco, não é mesmo?
2 – Quem você quer atingir (para quem você escreve?)
Comecemos pela cozinha. Você vai fazer um arroz com legumes a la carbonara. Vai usar a receita de sua falecida avó, porque ela é a que mais satisfaz o seu paladar. Horas depois você a está servindo a seus familiares e convidados. Sua sogra incluída. O pessoal se divide. Uns adoram, outros devoram por pura fome, uns comem por cortesia, outros disfarçam dizendo que estão de regime.
Sua sogra não gosta. Ela é a crítica. E ali, na frente de todos, desanca o seu arroz à carbonara, mostrando o que, para ela, são os seus erros óbvios. Ela é a crítica, lembra?
Pois é, para quem você fez o arroz? Para todos, é óbvio. Mas fez qual receita: aquela de que você mais gosta E gostos são tão diferentes quanto são diferentes as pessoas. Logo, se você fez o arroz para agradar a todos, não podia dar certo mesmo. Você vai agradar muito algumas pessoas e pouco a outras. Vai desagradar mais a algumas e ainda vai ter que passar pela avaliação do crítico de gastronomia de plantão. No caso, sua sogra.
Agora vamos fazer uma troca. O que você está cozi-nhando – e dificilmente será na cozinha – é o seu livro. Para quem você o está preparando? Para todos? Pois então prepare-se para a mesma recepção que seu arroz à carbonara recebeu. Agrada a uns, desagrada outros, uns amam, outros odeiam e, ainda por cima, os críticos vão fazer o papel para o qual foram projetados.
Isso nos leva ao fundamental ponto de partida, que tem que ser definido antes que você comece sua obra: para quem você vai escrever?
A tendência do escritor, ainda mais do inexperiente, é pensar que está escrevendo para todos. Ora, esse todos simplesmente não existe, é impossível! Você terá um tema e um estilo. O tema jamais interessará a todos; e seu estilo jamais agradará a todos.
Por causa do seu tema e do seu estilo, você escreve sempre para um segmento de leitores, um nicho do mercado. Veja o exemplo dos mais bem sucedidos vendedores da atualidade, como Tolkien, Rowling ou Paulo Coelho. Eles têm legiões inteiras de leitores e admiradores, vendem milhões de livros mas... são também detestados por outras legiões inteiras.
Então prepare-se, é assim que a coisa funciona. Joanne Rowling, depois de pastar meses a fio na maior dureza, escrevendo sua história do bruxinho Harry Poter em trens e lanchonetes, não conseguiu que nenhum editor aceitasse publicar seu livro. Até que um deles, que não achou graça nenhuma no que leu, deu o primeiro capítulo para sua filha de 10 anos ler. No outro dia a garota já o tinha devorado e pedia entusiasmada para ler o resto do livro. Estava ali o nicho para o livro, o esperto editor percebeu na hora. Bem, o resto é História...
A primeira pessoa que você tem que agradar é você mesmo. Você tem que ter prazer, entusiasmo, para poder perseverar na criação da sua obra, que é sempre trabalhosa. A seguir, defina o seu nicho e adapte-se a ele.
Nunca escreva pensando em seus colegas escritores, em meio acadêmico, em crítica!
Escreva pensando no seu público leitor, no seu particular nicho. Nas filhas adolescentes dos editores, se você se chama Joanne Rowling; ou escreve ficção Jovem Adulto.
Entenda: seus colegas escritores, o meio acadêmico e os críticos... não vão comprar seus livros!
Se um Paulo Coelho tivesse pensado em agradar àqueles ou tivesse temor da crítica desfavorável, jamais teria chegado a um centésimo do que alcançou no mundo inteiro.
Seus colegas escritores, em particular, vão encarar você como um concorrente e o seu sucesso, se vier, incomoda a maioria deles. Entenda, isso é humano, acontece em todas as classes profissionais.
Você, por exemplo, aceita bem e torce pelo sucesso de seus colegas sempre? Ajuda-os? Não sente ciúme profissional?
Pois então escolha se você quer ser Marcel Proust, Paulo Coelho ou Rubem Braga. Ou, muito melhor do que ser eles, ser você mesmo. E mantenha-se firme, persevere. Aí escreva só para você e para o seu público leitor. Os outros que se danem, mande-os pra lá de Bagdá, não são eles que vão pagar as suas contas.
Mas seus leitores vão! São eles e só eles os seus legítimos patrões. E, como diz o ditado argentino, “el que paga que lo mande”. Dê bastante atenção a essa gente boa – para você muito boa! – que vive por aí, espalhada por todo este vasto mundo, e se pergunte: Caramba, quem se dispõe a gastar seu dinheiro para comprar o que eu publico?
Pois é nesta gente boa que você tem que se concentrar. Conheça a fundo como são essas pessoas, do que elas gostam, por que compram os livros que você escreve. Conheça-as pessoalmente, fale com elas nas feiras de livros, nos eventos, nos lançamentos, nas suas palestras; e, nacional e internacionalmente, com enorme facilidade, conheça-os pela Internet, pelas redes sociais.
Cultive o seu público e procure se preparar cada vez mais para prestar a essas pessoas um serviço cada vez melhor, levando-lhes entretenimento, emoção, informação e educando-as enquanto leitoras, sem querer se fazer grande à custa dos seus leitores, arrotando erudição desnecessariamente para cima deles. E, ao mesmo tempo, sem nivelar por baixo.
Se você quer ser um escritor que vende livros, pense nisto em primeiro lugar: PARA QUEM VOCÊ ESCREVE?
Temos que ver quem você quer atingir, como você procede e quando tem que começar essa ação. À guisa de antecipação, fica no final um quadro sintético da maioria dos itens que fazem parte de uma plataforma de escritor e que vamos ter que abordar um por um, nesta série de artigos sobre plataforma, que você verá sistematicamente aqui no site e na Revista ESCREVER impressa.
(CONTINUA)