Wenchi, Etiópia, sete anos atrás: um grupo de crianças que vivem numa zona rural paupérrima, num vilarejo de casebres de pau-a-pique e onde não existe escola.
Essas crianças foram alfabetizadas e aprenderam efetivamente a ler usando tablets doados por uma ONG norteamericana, a One Laptop Per Child, fundada pelo cientista norteamericano Nicholas Negroponte, do MIT – Massachussetts Institute of Technology.
Aprenderam a ler em dois idiomas: o seu próprio (amárico) e o inglês! Com resultados fantásticos, muito acima do esperado pelos fomentadores do programa “Um laptop ou tablet para cada criança do mundo.”.
A atenção e o interesse das crianças, seus olhinhos brilhando de curiosidade, dizem tudo! Essa é a grande diferença. Essa é a força combinada do eBook e do tablet. A mesma linguagem sedutora de cor e imagem, de animações, basicamente uma imagem televisiva e cinematográfica, que é capaz de magnetizar a atenção da criança e levá-la a aprender de uma forma automática, por ser também interativa; mas, acima de tudo, e aqui está o grande segredo, de uma forma extremamente prazerosa!
Contudo, o mais notável neste caso etíope é que as crianças aprenderam a ler sem professor! O programa é autoinstrutivo e leva a criança, passo a passo, em direção a uma viagem maravilhosa e excitante de autoaprendizagem. Isto é revolução!
Agora, você quer saber o que motivou a aplicação desse programa à região? O governo local argumentou que seria caro demais produzir, transportar e distribuir para cada criança todos os livros que elas necessitariam no curso básico, além de ter que construir salas de aula no vilarejo rural e contratar professores.
As famílias dessas crianças vivem de plantar batatas e produzir mel. Todos os adultos são analfabetos. Menos uma moça, semialfabetizada, responsável por recarregar os tablets com um pequeno gerador solar, doado também pela ONG americana “One Laptop Per Child”. Essa jovem disse que “se lhes déssemos refeições e água, eles nunca sairiam da sala de computadores, eles passariam dia e noite lá.”
Ora, todos os livros que uma criança precisa no curso primário inteiro, magistralmente ilustrados em cores, cabem num único tablet! Na sua memória interna. Vejam que não estou me referindo sequer ao uso da Internet, que obviamente não é acessível naquele lugar. Ou seja, um tablet é muito mais barato que todos os livros escolares.
Outra coisa notável no caso das crianças etíopes que eram analfabetas: uma vez que aprenderam a ler, elas cumpriram em apenas quatro meses todo o programa de primeiro ano primário oficial do país. E exigiram continuar imediatamente com a matéria do segundo ano, para a qual não havia ainda programa pronto.
Precisa dizer mais alguma coisa?
Pois a tal coisa é quase assustadora: não havia ninguém para ensinar as crianças – analfabetas, não esqueçamos – a usarem os tablets. Elas os retiraram das embalagens, começaram e mexer em tudo e, em menos de 4 minutos, já sabiam como ligar as máquinas. Daí em diante, a exploração foi diária, pelo menos 6 horas por dia, todos os dias, sem nunca parar. E sem ninguém para orientá-las. Elas descobriram como ativar o programa de autoinstrução, com figurinhas animadas e canções infantis, em seu idioma natal e foram aprendendo a ler e a escrever usando o teclado virtual completamente sozinhas.
Então foram adiante e descobriram como desbloquear outras funções dos tablets, liberando, por exemplo, o uso da câmara. Passaram a fazer fotos e filmes. Mas isso ainda era pouco: descobriram que o mesmo programa que lhes ensinava a ler em amárico, existia também em inglês. E aí, sempre por conta própria, começaram a aprender a ler e escrever em inglês.
O que essa experiência real demonstrou é que crianças aprendem sozinhas, explorando, por tentativa e erro. Assim como aprendem a falar e andar por conta própria, podem aprender a ler e escrever também. Não é quase inacreditável?
Leia a matéria completa aqui:
E saiba mais sobre a One Laptop Per Child aqui: http://one.laptop.org/
Mais sobre Nicholas Negroponte, o fundador do famoso Midia Lab do MIT e o conferencista que pronunciou a primeira palestra do TED, em 1984:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Nicholas_Negroponte
O tablet certo, o tablet ético, pode mudar totalmente o cenário da alfabetização e do ensino básico no mundo. E o que quero eu dizer por tablet certo ou ético? Certamente não é o último modelo de Ipad ou Samsung de 10 polegadas, com mil sofisticações tecnológicas, para ser vendido a 500 dólares. O tablet certo é o tablet simples sem rebuscamentos, é o tablet de 60 dólares, produzido aos bilhões, para ser entregue a cada criança deste planeta e revolucionar todo o processo de aprendizagem e autoinstrução. E que, como consequência, entronizará o novo tipo de leitor, aquele que nos há de ler, a nós escritores e educadores.
E que não se contentará mais com o tom monocórdio dos nossos livros didáticos de papel, usados por instrutores mal remunerados em frente a suas lousas de fórmica branca. Regozijem-se as árvores, felicitemse os professores. A primeira coisa que eles vão adorar saber é que vão acabar aquelas horrorosas pilhas de provas a corrigir em casa. Pode deixar que o programa faz isso sozinho no mesmo segundo em que o estudante toca na tecla final.
E já trata de realimentar o aluno, redirecioná-lo aos pontos onde ele se confundiu, ao mesmo tempo em que arquiva ou manda por Internet para o professor uma avaliação completa do desempenho do aluno naquela prova específica. E volta a instigar a criança a pensar e decidir.
Essa revolução, que Negroponte idealizou levar a todos os países pobres, já está acontecendo nos países ricos. Ali os pais podem pagar por laptops, tablets e, principalmente, smartphones para seus filhos. Então você vê bebês que mal engatinham e já começam a aplicar seu dedinho no celular. São os rebentos da geração Z, a primeira que já nasceu completamente conectada, com Internet de alta velocidade e smart phones funcionais. E que, como os meninos de Wenchi, passam também uma média de 6 horas por dia conectadas, acessando seus celulares um mínimo de 80 vezes todo dia. E que, em sua grande maioria, não gostam de ler... livros. Mas leem e escrevem febrilmente em seus telefones, teclando com um ou dois dedos.
É, a telAeducação está aí, não há como fugir dela. Ou nós, os mais velhos, aprendemos a lidar com ela, aprendemos a nova linguagem, ou as crianças da geração Z, como as de Wenchi, vão fazer tudo sozinhas.
De acordo com dados do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), em 2018, na última compra de livros para o EJA, foram gastos R$ 46 milhões na aquisição de 3,3 milhões de exemplares, distribuídos a 2 milhões de alunos de 28 mil escolas. (EJA = Educação de Jovens e Adultos, é uma modalidade de ensino criada pelo Governo Federal, que engloba todos os níveis de educação básica, destinada a jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação na escola convencional na idade apropriada).
Este é um exemplo de como as compras do governo são fundamentais, no Brasil, para saúde econômica de algumas grandes editoras. Também estivemos expostos, dias atrás, à triste revelação que existem nos estoques do MEC outros tantos milhões de livros didáticos, que nunca foram distribuídos, considerados desatualizados e em vias de destruição.
Wenchi mostra que, no futuro próximo, os materiais didáticos serão de outra ordem, atua-lizáveis sempre, interativos, de custo baixíssimo, rodando em equipamentos de mais baixo custo ainda. É claro que a ideia vai receber, neste momento, o repúdio de toda a cadeia que está vinculada ao sistema atual para sua viabilidade econômica, o que é mais do que compreensível. Nem eu desejo que a transição seja – como não pode mesmo ser – imediata. É preciso haver tempo para que o antigo sistema se prepare para a transição.
Mas é evidente que ela virá. A telAeducação é inevitável, ainda mais se levarmos em consideração a enorme revolução que está começando nos displays. Telas flexíveis, dobráveis, expansíveis. Os novos smartphones dobráveis, por exemplo. O Samsung Galaxy Fold, o Royole FlexPai e o Huawei Mate X já são boas amostras disso. Imagine essa tecnologia como estará daqui a dez anos!
Os novos telefones celulares dobráveis vão fazer as telas muito mais propícias para a leitura interativa. Paralelamente a ao uso de displays OLED, teremos a possibilidade de converter, com um simples toque, a mesma tela para a tecnologia E-Ink, específica para leitura, o que já é coberto por uma patente da Apple.
Muito mais ainda do que isso, a Inteligência Artificial produzirá programas de aprendizagem cada vez mais perfeitos e avançados, com as próprias máquinas e algoritmos aprendendo e se reprogramando automaticamente ao longo do processo de ensino.
Concordo com os editores e livreiros que confiam num futuro ainda brilhante para o livro de papel. Mas não concordo quando eles pensam que isso durará décadas, com os mesmos produtos, estruturas e sistemas de negócios atuais; e ficam impassíveis ante o silêncio ensurdecedor da revolução das telas, sem perceber que é preciso estar atento aos sinais da transformação que já está em curso, que vai misturar cada vez mais outras tecnologias de aprendizagem e leitura, trazendo uma metamorfose da própria leitura em si.